Peça #27:

"Inserções Ideológicas em Circuitos de Valor" (Cédulas de dinheiro)

"Inserções Ideológicas em Circuitos de Valor" levanta uma questão central: o que realmente dá valor a algo? Seria o valor inerente ao objeto, ou ele é construído socialmente por meio das instituições e sistemas de significados que criamos? A intervenção de Alexandre Mury parece sugerir que o valor é sempre contingente, uma construção social que pode ser ressignificada, desconstruída e, como no caso de sua obra, multiplicada.

Cédula de R$10,00  carimbada com a inscrição  “Formas Múltiplas de Continuidade no Espaço”, contendo a assinatura do artista em grafite, constando a data do ano de 2024, e a tiragem limitada (exemplar 2/100).

Cada cédula, ao receber o carimbo e a assinatura do artista, torna-se ao mesmo tempo uma obra de arte fundindo conceitos de valor simbólico e monetário, questionando o valor atribuído à arte e ao dinheiro.

A obra estabelece um diálogo direto com o trabalho de Cildo Meireles, especificamente sua série Inserções em Circuitos Ideológicos (1970), onde Meireles carimbava cédulas com mensagens políticas, subvertendo o uso convencional do dinheiro e reinserindo-as na economia, transformando o dinheiro em veículo de ideias e críticas. Enquanto Meireles usava as cédulas para questionar sistemas políticos e econômicos, Mury vai além, refletindo também sobre a própria reprodutibilidade da arte e o mercado artístico.

Com essa intervenção, Mury coloca em questão a relação entre o valor de troca e o valor simbólico da arte, destacando a fragilidade dessa relação. A cédula, ao ser numerada e carimbada, torna-se parte de um circuito artístico, evocando uma reflexão sobre a arte como mercadoria e sobre o quanto o status de obra de arte pode influenciar o valor de algo tão comum quanto o dinheiro.

O ato de numerar as cédulas reforça a ideia de continuidade, presente em todo o conceito da ocupação artística “Formas Múltiplas de Continuidade no Espaço”, criando um jogo entre o singular e o múltiplo, o ordinário e o extraordinário, a circulação econômica e a circulação artística.

Advertências:

A obra não busca incitar práticas ilegais, e ciente das implicações legais, o projeto é uma crítica simbólica ao sistema econômico e à atribuição de valor, e a cédula usada na obra foi destinada exclusivamente ao contexto artístico, sem circular novamente no sistema financeiro.


Contexto artístico:

O argumento de que a obra não visa circular a cédula novamente tem como objetivo provocar uma reflexão crítica e pode ser utilizado como defesa, baseando-se na liberdade de expressão garantida pela Constituição Brasileira (Art. 5º, Inciso IX). O uso crítico do dinheiro pode ser defendido como parte de uma tradição de arte conceitual e performance artística.


Não circulação da cédula:

O fato de que a cédula não foi reintroduzida no sistema financeiro pode ser um ponto a favor, pois isso evita problemas relacionados à funcionalidade da moeda no mercado, o que poderia ser considerado mais grave do ponto de vista do Banco Central. Pintar ou desenhar em dinheiro é considerado dano patrimonial a um bem público da União, de acordo com o Artigo 163, inciso III, do Código Penal.


Cuidados:

Apesar disso, a cédula ainda é considerada um bem público, e o dano patrimonial ainda pode ser alegado. Artistas como Cildo Meireles que trabalharam com intervenções em cédulas e objetos de uso público também enfrentaram desafios legais, e muitos optaram por utilizar métodos reversíveis (como tinta removível ou carimbos que não danificam permanentemente o objeto).